Um eventual estouro da meta de déficit zero em 2024 pode tirar até R$ 16,2 bilhões do espaço fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026, ano de disputa presidencial. O petista deve tentar a reeleição.
O redutor de despesa está previsto no novo arcabouço fiscal. A medida serve de punição para caso de descumprimento da meta estabelecida em lei.
A estimativa foi obtida pela Folha com base em cálculos internos do Executivo que embasam as discussões no governo sobre o impacto de mudar ou não o alvo para as contas públicas.
O risco de ter de frear as despesas em ano de eleições gerais está por trás do debate dentro do governo em torno da flexibilização da meta perseguida para as contas públicas em 2024.
Enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) insiste no déficit zero, estimativas do mercado financeiro indicam que esse objetivo será descumprido. No Boletim Focus, a previsão é de um rombo de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto), mais que o déficit de 0,25% do PIB permitido pela banda de tolerância.
Sem uma mudança na meta, a concretização desse cenário vai disparar gatilhos de contenção de gastos em 2025 e 2026. As punições mais duras, que progressivamente limitarão o espaço fiscal, podem ocorrer no ano eleitoral.
No ano passado, Haddad conseguiu obter o sinal verde de Lula para manter a meta sob a promessa de contingenciar até R$ 23 bilhões. O valor ficaria abaixo do calculado por analistas —que já chegaram a apontar a necessidade de um bloqueio de R$ 53 bilhões.
A criação de uma trava no bloqueio de despesas foi a maneira encontrada para blindar o andamento dos investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no primeiro semestre deste ano.
Um dispositivo foi incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 para tentar garantir a aplicação desse limite em um cenário de frustração de receitas. Não há, porém, segurança jurídica dentro do governo para implementar o contingenciamento menor.
Interlocutores do governo ouvidos pela Folha afirmam que o Executivo fará uma consulta formal ao TCU (Tribunal de Contas da União) para dar respaldo legal ao decreto de contingenciamento, que terá de ser editado no fim de março. Uma reunião para preparar a defesa jurídica da consulta ocorreu na semana passada.
O governo quer enviar logo a consulta para não correr o risco de uma demora maior no julgamento pela corte de contas acabar deixando para a última hora a decisão sobre a mudança da meta. Para alterá-la, o governo precisa enviar um projeto ao Congresso.
Se o governo mantiver a meta e não fizer o contingenciamento, também haverá risco de punição pelas regras do novo arcabouço. Se o resultado da consulta for negativo, membros do governo afirmam que não há outro caminho a seguir a não ser propor um novo alvo fiscal.
Há certo consenso entre os defensores de alteração que a nova meta alvo seja um déficit de 0,5% do PIB. Na avaliação de técnicos do governo, um déficit de 0,25% poderia ser insuficiente, e um alvo de déficit de 0,75%, como querem lideranças do PT, folgado demais.
Técnicos do governo estão divididos sobre a possibilidade de vitória do TCU. Um grupo avalia que a versão aprovada da LDO sustenta um contingenciamento menor, mas outra ala considera que os ministros do TCU serão mais duros e vão negar o pedido do governo.
O governo recebeu informações de que, em reuniões com representantes do mercado financeiro no final do ano passado, ministros do TCU sinalizaram que o dispositivo da LDO seria ilegal, contrapondo-se às regras do novo arcabouço.
O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, já anunciou a criação de um painel de acompanhamento do cumprimento da nova regra fiscal.
Na equipe de Haddad, o esforço é para segurar a nova pressão pela mudança da meta até o fechamento de um acordo em torno da MP (medida provisória) de reoneração da folha de pagamento para 17 setores.
Sem mexer na meta, o governo também não poderá usar um espaço adicional de R$ 15 bilhões que poderá se abrir ainda em 2024, graças a uma regra que permite ao Executivo expandir o limite caso a arrecadação prevista para o ano tenha uma expansão ainda mais significativa em relação a 2023.
Folhapress