Nos últimos 13 anos, o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) interrompeu, por meio de ações de combate à corrupção, fraudes que envolveram R$ 214,8 milhões, pelo menos. Esse valor se refere a 36 operações de médio e grande porte promovidas em Natal e outras cidades do RN.
A quantidade de operações e o valor apurado, entretanto, não dão a dimensão exata desse trabalho. Isso porque alguns casos investigados tiveram bifurcações. E certamente estariam ativos até hoje não fossem as investigações, a maioria delas tocada pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público.
Há inclusive uma operação, a Sinal Fechado (2011), cujos os beneficiários do esquema poderiam ter obtido (graças a pagamento de propina) faturamento estimado de quase R$ 1 bilhão em 20 anos. Tudo retirado diretamente do bolso do contribuinte.
Agora, além do que já vinha sendo feito, o MPRN pretende elevar o patamar de combate aos ditos crimes do “colarinho branco”. E para isso vai começar a usar inteligência artificial, big data e ciência de dados nas operações.
O início de tudo será com um “robô paraibano”. Ou melhor, “uma robô”. De acordo com o procurador-geral de Justiça, Eudo Rodrigues Leite, ainda este ano algumas dessas tecnologias já estarão disponíveis. “Ademais, colocaremos essas tecnologias à disposição de outros órgãos de controle e investigação”, acrescenta.
No vídeo abaixo, o procurador explica melhor esse novo momento do combate à corrupção no RN e informa sobre outro sistema que já está sendo produzido. Em breve, o trabalho dos promotores ficará “mais fácil”; o que será uma dificuldade a mais para corruptos e corruptores.
A parceria à qual Eudo Rodrigues Leite se referiu com o Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB) chama-se “Turmalina”. Trata-se de um sistema desenvolvido por meio de um trabalho conjunto do Tribunal e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
“A robô” usa inteligência artificial para analisar e checar cada um dos portais transparência das cidades paraibanas. Diariamente, Turmalina avalia a qualidade das informações referentes a despesas, receitas, contratos, licitações, pessoal, convênios e leis, além da usabilidade do site.
Cabe também à Turmalina gerar relatórios de cada análise. É com esse material que as equipes fazem o acompanhamento da gestão. Em apenas um mês, janeiro de 2019, o TCE paraibano emitiu um total de 137 alertas ao estado e aos municípios.
Desse total, 134 disseram respeito a problemas com a divulgação de informações nos portais. Todos os alertas são publicados no Diário Oficial da Paraíba e também ficam disponíveis online, na página do TCE-PB, à disposição da população.
A Paraíba tem 223 municípios. Imagine o trabalho que seria um promotor – ou um grupo deles – checar diariamente todos os portais de transparência paraibanos. Com o uso da tecnologia, essa impossibilidade é superada.
E leva o combate a esquemas fraudulentos a um outro nível, pois cria uma cultura preventiva. Uma das vantagens é que o programa nunca dorme. Os alertas servem como sinais para melhoria da transparência e da gestão.
Essa medida, por sua vez, ajuda no combate à corrupção. Dito de outra forma, o trabalho de Turmalina faz com que se torne cada vez mais difícil a ocultação de esquemas de corrupção.
No início, apenas cinco promotores atuavam
Há cerca de 17 anos, no início desse trabalho de combate à corrupção, quando surgiu a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, pensar algo como o uso de big data e inteligência artificial certamente seria tratado como ficção científica.
Quem fala sobre o início desse trabalho é o “decano” da promotoria, Afonso Ligório Bezerra Júnior, mais antigo membro do grupo. Ele recorda que no início havia apenas ações dispersas. No início dos anos 2000 isso começou a mudar.
Foi quando o MPRN organizou a promotoria e o trabalho começou a ser feito de forma coordenada. A partir dali, a população passou a conhecer as ações de combate à corrupção no RN principalmente pelas operações divulgadas na imprensa.
Naquele início da promotoria, Afonso de Ligório recorda algumas investigações que foram simbólicas: o caso Gusson, que investigou tráfico de influência na administração do então governador Garibaldi Alves Filho (MDB), em 2001; e o dos Gafanhotos, que investigou seu sucessor, Fernando Freire, em 2002.
O resultado dessa segunda investigação ainda hoje repercute: Fernando Freire esteve preso até este ano, resultado das condenações obtidas na Justiça por meio das denúncias feitas pelos promotores do Patrimônio Público.
Impacto foi um marco no combate à corrupção
No ano de 2007, uma outra operação deixou todo o estado sobressaltado: no dia 17 de julho daquele ano, a Câmara Municipal de Natal amanheceu sob alvo de busca e apreensão, medida obtida no âmbito da operação Impacto, que investigou negociação de votos na votação do Plano Diretor.
A síntese da investigação era que um grupo de vereadores havia negociado a derrubada de emendas à lei com representantes da iniciativa privada. O que começou com uma denúncia de um suplente, terminou com condenações judiciais e outras repercussões.
Hoje, passados 12 anos, nenhum dos envolvidos ocupa mais mandato parlamentar municipal. Já em 2008, ano eleitoral, alguns não conseguiram se eleger. Nos anos seguintes, com as condenações e o advento da Lei da Ficha Limpa, os que ainda tinham mandatos não concorreram mais à releição.
Foi o caso do ex-vereador Júlio Protásio, cuja esposa, Ana Paula Araújo, hoje é vereadora; eleita em 2016. E Aquino Neto, cujo irmão – Preto Aquino – é quem hoje possui mandato na Câmara Municipal de Natal.
A investigação também resultou em condenações contra os (hoje) ex-vereadores Emilson Medeiros, Dickson Nasser, Geraldo Neto, Renato Dantas, Adenúbio Melo, Edson Siqueira, Aluísio Machado, Salatiel de Souza, Carlos Santos e Adão Eridan.
O impacto da operação foi tamanho que desde 2007 o Plano Diretor de Natal nunca mais foi revisado. Somente este ano, 12 anos após, é que o processo foi retomado. E já foi novamente adiado, ficando para 2020, a conclusão.
Para o promotor Afonso de Ligório, a operação Impacto foi histórica, por vários aspectos. No vídeo a seguir, ele próprio explica porque pensa assim e aponta as diferentes repercussões que a investigação gerou:
E se não existisse esse trabalho de combate à corrupção no RN?
Há ainda uma outra dimensão do combate à corrupção que muitas vezes não é exposto: se não fosse essa ação, todos esses esquemas interrompidos estariam em atividade ainda e se multiplicariam. As investigações feitas nos últimos anos comprovam isso.
Exemplos dessa realidade são as operações Dama de Espadas (2015) e Cidade Luz (2017). A primeira resultou em outras duas operações, a Canastra Real e a Croupier. Todas elas apuram praticamente o mesmo crime: desvios de dinheiro dentro da Assembleia Legislativa do RN e envolvem valores de aproximadamente R$ 16 milhões.
O caso envolve deputados, ex-governadores, funcionários públicos, desembargadores e conselheiros do TCE. Também da Dama de Espadas resultou a operação Candeeiro, um esquema que desviou R$ 19 milhões do Instituto de Meio Ambiente do RN (Idema). A Candeeiro tinha participação de algumas pessoas já investigadas por desvios na Assembleia Legislativa, como é o caso do ex-deputado estadual Ricardo Motta.
Já a operação Cidade Luz investigou esquema de desvios de recursos por meio de contratos de iluminação pública em Natal, com desvio estimado de R$ 22 milhões. Após essa investigação, os promotores descobriram que esse mesmo esquema era replicado em outras cidades, como Caicó e Macaíba (no RN); e inclusive na Paraíba.
Afonso de Ligório comenta que a Dama de Espadas até hoje gera novas investigações. Boa parte delas diz respeito a pessoas que receberam salários pela ALRN, mas nunca deram expediente no local. Para cada caso comprovado, uma investigação é aberta.
O promotor afirma ainda que essa operação deve perdurar por muito tempo. “Eu creio que esse é um trabalho que ainda vai dar resultados”, comenta. E explica: “Por que não se encerra no grupo familiar da ex-procuradora da ALRN, Rita das Mercês”.
A ex-procuradora é o pivô da investigação e celebrou colaboração premiada. Essa delação inclusive foi feita ao Ministério Público Federal (MPF), mas o MPRN pode usá-la para suas investigações.
E o trabalho de combate à corrupção como um todo? Como estaria o Rio Grande do Norte se não houvesse isso? Assista no vídeo a seguir a resposta de Afonso de Ligório, uma análise que leva em consideração inclusive como a imprensa potiguar foi afetada pelo trabalho do MPRN:
Afonso de Ligório observa que ao vulnerabilizar delegados, promotores e policiais, entre outros, todo o sistema de segurança social será afetado. Eudo Rodrigues Leite, por sua vez, observa que o problema desta nova lei é que ele ataca exatamente o trabalho dos profissionais sérios.
Em setembro, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei de Abuso de Autoridade. A medida foi tomada após os parlamentares terem derrubado, 18 dos 33 vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro à lei.
A associação pediu uma liminar (decisão provisória) urgente para que 11 artigos da nova legislação sejam suspensos. Na avaliação da AMB, a nova lei promove a “criminalização da conduta de magistrados”, causando “perplexidade no mundo jurídico”.
No vídeo a seguir, entenda mais detalhadamente o porquê desses dois membros do Ministério Público do Rio Grande do Norte considerarem um erro e um perigo essa lei que tem sido alvo de questionamentos em todo o Brasil.
OP9