Proposta por um deputado petista, uma legislação de 2013 que prevê a “boa fé” nas transações comerciais de ouro de garimpo é apontada por especialistas como responsável por isentar compradores de responsabilidade e estimular invasões a Terras Indígenas, além de ajudar a “esquentar” o minério ilegal.
A lei foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff. Trata-se de uma emenda do deputado federal Odair Cunha (PT) à Medida Provisória n° 610, da própria Dilma, que tratava de seguro agrícola. Convertida na Lei n° 12.844, ela trouxe ao texto artigos que prevêem a presunção da boa fé na compra do ouro feitos pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), únicas empresas autorizadas a adquirirem o minério dos garimpos.
— O garimpeiro, quando vende ouro para uma DTVM, precisa preencher um formulário. Aqui entra a boa-fé: segundo o dispositivo, se a DTVM guardar o formulário, a lei vai considerar que a transição foi toda de boa-fé. Sem nenhuma checagem — diz a advogada Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas, organização que pesquisa temas ambientais, entre eles o garimpo ilegal.
Assim, basta a compra ter sido feita e a documentação guardada para que a transação seja tida como legal, eximindo as empresas que adquirem o minério de responsabilidade.
— O que a gente fala é que se estabeleceu uma cena de crime perfeito no Brasil. A pessoa tira o ouro da Terra Indígena, por exemplo, e vai vender apenas preenchendo um papel. A DTVM não vai ter responsabilidade, ninguém vai prestar contas de nada — completa.
Para Larissa e outros especialistas da área, a emenda acabou, assim, oferecendo proteção e garantia a garimpeiros invasores de terra protegidas. Na falta de uma checagem proporcionada pela presunção de boa fé que beneficia ambas as partes da transação, tornou-se menos arriscado “esquentar” o ouro. Em outras palavras, há menos riscos para o garimpeiro em omitir que extraiu o minério de uma área protegida, como uma Terra Indígena.
Larissa Rodrigues pontua ainda outras questões problemáticas da lei:
— A pessoa que vai vender não precisa ser o dono do garimpo .Pode ser qualquer pessoa que é parte da cadeia produtiva: pode ser piloto, comerciante de suprimentos — diz.
Os artigos referentes ao garimpo na Lei 12.844 são também exemplos do que os parlamentares costumam se referir como ‘jabuticaba’, dado que a MP da qual ela se originou tratava, na realidade, de seguro agrícola, um tema não relacionado a mineração.
Ação no STF
Há, no momento, duas iniciativas que tentam corrigir o problema. Uma delas é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada no final do ano passado no Supremo Tribunal Federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e a Rede. A ADI visa suspender os efeitos do dispositivo que determina a presunça de boa fé e tem como relator o ministro Gilmar Mendes.
Já no Congresso Nacional, a ex-deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), atualmente à frente da Funai, apresentou um Projeto de Lei sobre o mesmo tema no ano passado. Além do fim da boa fé, o PL propõe também mecanismos para o rastreio de ouro oriundo de garimpos.
À Folha de S.Paulo, Odair Cunha justificou que “ocorreram falhas de fiscalização e a criminalidade no setor foi disseminada por estimulo do ex-presidente Jair Bolsonaro”. Ele disse ainda que a presunção de boa-fé contribuiria para a fiscalização dos órgãos públicos, sendo “um elemento a mais para identificar a origem do ouro”, e que, por ser mineiro, “se empenhou em contribuir com a legislação do setor”.
Agora, o deputado defende que a legislação seja revista, para “manter a fiscalização rigorosa, garantir o monitoramento da extração de ouro, junto com medidas que coíbam ilegalidades, danos ao meio ambiente e ataques aos povo indígenas”.
O Globo