SÓ ATRAPALHOU: Relatório censurado pela OMS mostra situação dramática da Itália no começo da pandemia - Informativo Atitude

SÓ ATRAPALHOU: Relatório censurado pela OMS mostra situação dramática da Itália no começo da pandemia

Imagem: Antonio Masiello/Getty Images

Itália, 18 de fevereiro de 2020. Na pequena cidade de Codogno, perto de Milão, um homem de 38 anos se apresentou a um centro de saúde. Ele tinha tosse e sintomas de uma gripe. Saudável, sem nunca ter ido para a China e jovem, ele não se encaixava no perfil de pessoas que poderiam desenvolver a covid-19. O indivíduo recebeu uma receita para tomar antibióticos e preferiu não ser internado.

Um dia depois, ele voltou ao centro médico e, desta vez, sua condição era crítica. Foi imediatamente levado à UTI. Mas algo chamava a atenção dos médicos locais: como um jovem saudável teria desenvolvido uma pneumonia atípica e que não respondia aos tratamentos?

Mesmo sem que o protocolo recomendasse, os profissionais do hospital local decidiram fazer um teste de covid-19 no paciente. E o resultado deu positivo. Duas semanas antes, ele havia jantado com um amigo que acabava de retornar da China.

Aquele seria o primeiro caso oficialmente detectado no país e uma demonstração de que os sistemas de monitoramento criados pelo governo não eram capazes de identificar indivíduos que deveriam ter sido testados. Assustados, autoridades ampliaram os testes e, em 24 horas, descobriram outros 36 casos apenas na região de Milão.

O relato faz parte de um informe preparado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre a Itália, país que foi o epicentro da pandemia em suas primeiras semanas no Ocidente. O documento, de maio, acabou sendo retirado do ar pela agência.

A reportagem do UOL obteve uma cópia do documento que faz um raio-X dramático de um país de joelhos diante do vírus. A avaliação ainda revela um governo despreparado, hospitais em caos e mortes. Uma das principais constatações era de que Roma ainda operava com um plano de contingência contra pandemia datado de 2006. Os autores do texto foram pressionados a mudar essa conclusão. Mas se recusaram e, desde então, o documento foi embargado.

O mesmo informe, porém, relata como as autoridades nacionais ou regionais jamais abriram mão de tentar salvar vidas e como, apesar dos obstáculos e despreparo, agiram com “criatividade” para tentar dar uma resposta. No documento, uma lista de medidas adotadas por Roma ou pelos governos das províncias é apresentada, numa demonstração de que não houve um comportamento negacionista diante da doença.

Governo italiano foi lento, avaliam especialistas

Na avaliação dos especialistas, a reação do governo ainda assim foi tardia, com medidas mais drásticas sendo adotadas apenas um mês depois da declaração de emergência global, pela OMS. “As festividades carnavalescas estavam começando. As cidades estavam repletas de turistas, assim como as estações de esqui e os jogos de futebol, e as crianças iam à escola. Então, em 21 de fevereiro de 2020, tudo mudou muito de repente”, apontou.

A mudança foi a constatação de que aquele adulto de apenas 38 anos vivia momentos críticos.

Parte do país passou das festividades para um lockdown no espaço de 24 horas. Inicialmente, onze municípios — 10 na região da Lombardia e um no Vêneto — foram fechados, com entrada proibida por fora e movimento limitado por dentro. Os serviços públicos foram suspensos, assim como os eventos.

Mas o vírus já tinha se espalhado e, seguindo um protocolo inicial, muitos portadores do vírus que estavam assintomáticos nunca seriam testados.

Gestão descentralizada, dividida entre esferas federal e estadual, prejudicou

Um dos obstáculos foi a gestão descentralizada da pandemia, em suas primeiras semanas. Se os decretos vinham de Roma sobre como realizar testes, rastrear contatos e isolar pessoas, cabia a cada região a implementação das regras.

Lentas e caóticas, as autoridades logo viram “o crescimento exponencial da epidemia superando a capacidade de testes” e como, nas áreas mais afetadas, rastrear passou a ser impossível.

“Até hoje, a cadeia de transmissão que leva à transmissão comunitária na Itália ainda não é bem compreendida”, admite a OMS. “O que se sabe é que, rapidamente, o número de pessoas que necessitam de cuidados intensivos de emergência aumentou exponencialmente. Após alguns dias, hospitais de primeiros socorros não tinham mais leitos disponíveis e se viram confrontados com a evacuação de pacientes para unidades de UTI em outros hospitais”, indicou.

Naquele momento, a Itália contava com 5,2 mil leitos de UTI. No início de abril, 4 mil deles já estavam ocupados com pessoas contaminadas pelo vírus.

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