O câmbio valorizado, segundo economistas ouvidos por VEJA, traz um risco ainda maior de aceleração para a inflação em um cenário que já vem sofrendo pressão. “A gente já tem uma situação em que percebe as expectativas de inflação em processo de desancoragem, um sinal de que agentes econômicos começam a identificar problemas na estabilidade de preço. A alta do dólar joga mais gasolina na questão da expectativa de inflação”, afirma Marcelo Fonseca, economista-chefe da Reag Investimentos.
Ele lembra que os números do mercado de trabalho divulgados na semana passada, apesar de positivos, também são um sinal de alerta para a inflação. “É claro que todo mundo gosta de mercado de trabalho aquecido, mas gostamos até quando for sustentável. Um estado de superaquecimento do mercado causaria pressões salariais que poderiam se traduzir em pressão inflacionária”, diz Fonseca, lembrando que a inflação já não está na meta. “Com isso, o resultado é a subida de juros”, explica. O economista já projeta um cenário em 2025 de taxa Selic a 12%. “Mas se esse processo se intensificar isso pode acontecer antes.”
Essa situação é passível de ser revertida, na opinião do economista, com medidas de ajuste nas contas públicas, com um plano de corte de gastos crível. “A bola está no campo da política fiscal”, diz. “Por outro lado, as declarações de Lula mostram que há falta de disposição política para enfrentar esse problema.”
A necessidade de medidas que reverteriam essa situação se torna cada dia mais importante tendo em vista que não sabemos como vai se comportar o cenário econômico internacional com os desdobramentos da eleição dos Estados Unidos. “Um cenário ruim nas eleições americanas pode trazer pressões inflacionárias globais, taxas de juros mais altas e dólar valorizado. É hora de erguermos nosso castelo.”
Por que o dólar alto traz mais inflação?
O economista da FGV, André Braz, explica que o real desvalorizado perante o dólar encarece as importações e aumenta as exportações, pressionando a inflação.
Máquinas, equipamentos e produtos químicos, por exemplo, acabam chegando no Brasil mais caros, aumentando os custos de produção de vários setores e isso pode se transformar em aumentos de preços para o consumidor.
Outro efeito da alta do dólar, o aumento das exportações é bom para a balança comercial, mas gera o desafio inflacionário. “À medida que o Brasil exporta mais, sobram menos mercadorias aqui. Pela lei da oferta e da procura, tudo que tem em menor quantidade o preço acaba subindo”, afirma Braz.
Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank, explica que o embate entre Lula e o BC acaba gerando uma aversão a risco no mercado que puxa o valor da moeda americana. Para ela, no entanto, a alta do dólar não aumenta a inflação em curto prazo. “Existe um prazo para isso, não acontece de forma automática e o câmbio precisa ficar pressionado por mais tempo, não é em uma semana de dólar mais alto que vai bater na inflação de forma automática”, diz.
Em relação aos consumidores, a economista diz que o impacto pode levar seis a nove meses, ou mais, para que os efeitos sejam percebidos. “Na inflação ao produtor, a alta do dólar acaba impactando de forma mais rápida. Portanto com essa expectativa de inflação subindo isso tende a impactar no comportamento do Banco Central em relação à taxa de juros”, diz.
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